segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Viagem a Florença.














Estes 5 comentários que se seguem, fazem um balanço da minha viagem à Toscânia entre 6 e 10 de Dezembro. Um balanço na perspectiva pictórica da descoberta de Florença, flor-de-lis, cidade Humanista. Mas igualmente de reencontro de amigos, desta amizade entre os que viajaram, entre os que estão, entre os que se encontram assim, humanos.

1- Em demanda de David

Esta segunda viagem a Itália faz eco da primeira a Roma pela demanda de David. Essa personagem que circum-naveguei pela primeira vez, talhado por Bernini na Galeria Borghese. Um David tenaz, convicto da sua letalidade, executado igualmente em mármore, querendo suplantar o seu antecessor: o David esculpido por Miguel Ângelo (MA). Mas a obra de MA jamais será suplantada, fui tremendamente injusto quando em Roma essa dúvida me assolou. Nenhum suplanta o outro, ambos se equiparam. Estes dois avatares de David são antinomias necessárias. A agressividade de um, face a uma esmagadora tranquilidade do outro. Em comum essa avassaladora convicção numa fé, num olhar mais distante. Retrato psicológico que nos faz implodir, que nos faz acreditar que da fraqueza humana se fazem as forças.
As cópias de David são clones espaciais de um mesmo conceito. Um, o original, no interior do Museu da Academia, que nos esmaga serenamente, pela sua dimensão. Outro, na Praça, no local original, espaço aberto que expande o olhar.

2-Os Uffizi, onde o tempo pára



Enquanto esperava para entrar, tive oportunidade de fazer dois desenhos das esculturas de célebres florentinos que enriquecem as fachadas deste que é o mais antigo museu do mundo. Um desenho por cada hora de espera. Lá dentro foram muitas mais as horas. Mas pareceram apenas esse par, tais eram as obras que nos assolavam ao olhar.
A Vénus de Botticelli na sua verdadeira escala. Era o que me faltava para que todas as componentes se encaixassem entropicamente no meu espírito. Espírito finalmente purificado ante aquela nudez de Simonetta, a amante de um dos Medicis e que foi a modelo do pintor. O tempo pára, Botticelli guardou para sempre a alma da bella Simonetta neste rectângulo perfeito de ouro.
Ainda não refeito desta paixão anacrónica e proibida, aqui confessada, prossigo de sala em sala onde o resto guardo para mim...

3- A Bienal, quase 900 pintores



É um mercado? é um labirinto cromático? não é a Bienal de Florença na Fortezza da Basso.
Perdi-me mesmo entre pintores do mundo inteiro, também fui seleccionado mas optei por não participar. Preferi ir ver para ajuizar e, quem sabe, participar daqui a dois anos. Conheci uma pintora equatoriana, Ana Maria Jáuregui da qual, e com a devida vénia, publico a foto que fiz com o seu quadro onde a Criação de Adão de Miguel Ângelo é interpretada na vertical, e não no tecto da Capela Sistina. Um personagem intervém sobre o fresco. Uma forma que a pintora encontrou para chamar a atenção sobre a questão do restauro, quais os critérios?
Outro trabalho, do qual não recolhi o nome do autor, tem a ver com um verdadeiro retrato psicológico. Mas o cromatismo dos reflexos lumínicos sobre a pele é muito interessante e um verdadeiro problema de pintura.

4- Pontedera, A mais bela flor

Na visita a Pontedera, de regresso de Pisa, fiz uma visita aos pintores Paola Iacomelli e Paolo Grigò. Amigos.
Da Paola fica a ilustração que fez para capa do livro Il fiore più bello escrito por Franco Luperini. A Paola vem colaborando com ilustrações para os livros deste escritor. Livros sobre grandes questões sociais do nosso planeta. Como a ilustradora diz na dedicatória deste exemplar que teve a amabilidade de me oferecer: “É uma coisa pequenina que fizemos em nome daquela coisa grande que é a solidariedade”

5- Pontedera, Um pintor multiforme

O pintor Paolo Grigò é um amigo de há 10 anos, quando esteve em Montemor-o-Novo, participando num simpósio de escultura em Terracota organizado pelas Oficinas do Convento. Fui ver a sua exposição intitulada Il mutiforme umanesimo, que tinha inaugurado no dia anterior, uma mostra que o Paolo assumiu como o trazer da oficina para o espaço expositivo, no sentido mais artesanal do atelier. Foi gratificante, e não sem uma pontinha de emoção, constatar o quanto o trabalho que fez em Montemor-o-Novo o influenciou nesta década. Pintor, escultor, instalador, este artista desmultiplica-se em várias modalidades expressivas. O exemplo é este quadro onde a expressão e a dinâmica de movimento que impregna no modelado das suas personagens confere uma mais valia quase atmosférica à sua composição.