terça-feira, 11 de setembro de 2007

Textos que o tempo tem



Textos que serviram de base ao trabalho desenvolvido na FBAUL no 4º e 5º ano da licenciatura em Artes Plásticas/Pintura:



Faculdade de Belas Artes; Lisboa; 14/11/94
Sobreiro,
Um esteio na Natureza Alentejana.De geração em geração o Homem cuida destas árvores, para que elas cuidem dele.Há uma simbiose e um paralelo entre a sua resistência e a cultura alentejana.De tempos antigos chegam-nos ecos de lendas, de visões.
Ao homem do campo, que atravessava o montado durante a noite, surgiam "aparições" de "medos". Até que ponto não seriam antropomorfizações sugeridas pelas formas dos sobreiros?...Troncos que são membros, protoberâncias que são rostos, corpos retorcidos e contorcidos.
A personificação da árvore.
Agora, em plena luz diurna, o montado ergue-se cheio de cor. Matizes que significam as várias etapas de crescimento da cortiça: Desde os recém descarnados em cores terrosas avermelhadas, passando pelos violetas, castanhos, negros, e... finalmente, os cinzas azulados que anunciam nove anos de um ciclo que se encerra. As copas são de vários tons verdes. O chão varia conforme o capricho das estações: Do verde e castanho escuro invernoso ao ocre e amarelo estival.
Em comum, perpassando por estas etapas da vida destas árvores e dos homens, o azul imenso do céu testemunha, sereno, todas estas lutas... revolto por vezes.
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Herdade do Sobralinho, 96.04.20; 18.45 h. Montemor-o-Novo.

Os primeiros passos por entre o mato foram saudados por uma breve e suave brisa que se levantou. Alguma presença, ou simples coincidência, se alegrou com a minha intromissão. Eu, que não acredito nem em Fadas nem em Gnomos da floresta, arrepiei-me todo. Estava grato e reconhecido por essa alegria e aura de uma sabedoria secular que me envolvia e observava.
Eram as formas daqueles sobreiros que olhavam para mim; protoberâncias, cascas, geometria e cor; dessas vidas que estão ali há séculos, não propriamente à minha espera, mas que se dignificam a conceder-me a sua atenção de calma e anciã inteireza.
Continuava arrepiado, e tremia na minha modesta missão de encontrar, na sua benevolente existência, aquelas formas que procurava, ou que apenas não procurava…
Ao longe, num dos montes, uma superfície banhada de luz de fim de tarde despertou, ou chamou, a minha visão/atenção.
Foi então que conheci um sobreiro com muito para dizer. É enorme, de uma robustez esmagadora e, paradoxalmente, leve e elevada. A sua forma não pode ser descrita por palavras.
Rodeei-o e admirei-o em todos os seus 360 graus enigmáticos e magníficos. Esmagou-me, senti-me um anão previlegiado em ser gigante no contacto e no diálogo que estabelecemos. Depois de fotografar as suas formas pesadamente leves e cinzentas contidas na força de oito anos de cortiça, à espera do último, para voltar a ser vermelho de terra queimada. Agradeci, e toquei respeitosamente na sua cortiça. Tremi e fiquei elevadamente esmagado pela centésima vez.
Conheci assim este Sobreiro, de sabedoria imponente, que me sussurou um segredo… Então olhei para o lado, e vi um seu filho que despontava próximo, viçoso, ainda esteva com desejo de ser um chaparrito. Apertei com cuidado as suas folhagens nos meus dedos e desejei-lhe boa sorte…
Que os homens não o esmaguem com um qualquer tractor…

1 comentário:

perfume de laranjeira disse...

Já te disse... tu sabes, amigo Manelde como eu gosto deste teu poema.. soubeste logo quando o li a primeira vez... no teu atelier há um ano.. de como o li com as mãos, com o olhar... os olhos de a quem o li se fecharem saboreando o silêncio, a eternidade do mundo parado... naquele instante...

Eduardo